sábado, dezembro 31, 2005

Bom Ano

Vincent VanGogh, Noite Estrelada

«[...] O vencedor goza, para o resto da vida,
uma ventura doce como o mel, graças aos prémios.
Um bem que não se perde acompanha os mortais
até ao fim.[...]»

PÍNDARO, 1ª Ode Olímpica, antístrofe 4ª 95 - 100, Tradução de Professora Maria Helena da Rocha Pereira, Biblioteca Sudoeste, Porto 2003

Agora que entrámos nas últimas 11 horas deste ano de 2005, que entrámos nesta coisa que gostamos de chamar de "contagem decrescente" - e não andaremos nós sempre em contagem decrescente, neste nosso encaminhamento para nenhures - venho deixar aqui o apelo e os votos de um excelente ano de 2006 a todos aqueles que conheço. Sim, não só a amigos, ou colegas, ou familiares, nem em especial para nenhum deles, nem hipocritamente para todo o mundo, ao modo do concurso miss universo, mas sim para todos os que conheço.
Não sendo claramente perceptível nenhum corte de um dia para o outro, que o façamos na nossa mente; se não com a nossa vida quando a mesma corre bem, que façamos então uma ponte na renovação da esperança, neste embalar doce que nos abre para mais sentido, para a expectativa total em torno de nós, em torno das possibilidades da nossa existência e que nos permite ser, que nos permite continuar a ter tudo para ser na direcção do horizonte da felicidade.
Deixemos de lado o apelo amargo da saudade do que já foi, do que já fui, esse apelo surdo, voraz, cadenciado e impossibilitador da concretização da nossa existência, esse querer ser onde já não se está e onde já se foi e que nos rouba território para ser.
Assim, continuemos esta nossa valsa mortal, vamos levar esta "nossa doença" a bom porto, buscando a calma, a tranquilidade, procurando a clarificação e sossego da consciência. Esforcemo-nos por ser correctos, rectos, justos, nem que para isso tenhamos que sofrer e nos prejudicar. Esforcemo-nos por nos deitar não na companhia de fantasmas ou vozes, a voz do podia ter sido, do podia ter feito, mas sim na companhia das estrelas, pois sempre que consigamos inspirar e expirar fundo, sempre que consigamos dar uma cadência de paz e tranquilidade a esse ultimo acto de vigília antes do sono retemperador, teremos por tecto as estrelas e não a clausura de uma parede paralela a nós que serve de topo à cela a que chamamos quarto, pois muitas vezes o chamado refugio é nada menos que a cela, essa cela onde somos forçados a conviver connosco, na mais pura perantidade que é estar aqui, no mais puro dos isolamentos e onde o monólogo dialogado é mais forte e intenso.
Desejo-vos a vós e a mim, paz, calma tranquilidade e força, força para continuar esta valsa, força para ver neste ganho de lucidez que é a consciência de si uma bênção e não uma força impossibilitadora, de vontade de desistência, e como é feroz adornar uma anulação - uma paragem - com um elemento linguístico indiciador de acção.
Bem hajam todos vós, até 31/12/2006 e renovemo-nos todos os dias.

sexta-feira, junho 17, 2005

O Elogio da música

A música, o elogio da música. É algo que há muito quero fazer, mas sempre achei que não conseguia escrever algo de relevante, que traduzisse o que queria verdadeiramente dizer. Ao dizer sempre achei - passado - não se pense que já não acho o mesmo, mas resolvi arriscar.
Tenho tido o prazer de assistir a algumas bandas ao vivo e tem sido verdadeiramente fantástico. Adoro música, a mesma transporta-me para fora de mim, para outro mundo, sem idade, sem tempo, sem convenções - parabéns aos P´laguita. Assim, neste sentido, vou usar aqui - não literalmente - algumas considerações de Aquino.
Tomás d´Aquino disse que a música era um demónio, uma das coisas mais perniciosas para o ser humano, pois tinha o poder de transportá-lo do céu ao inferno e vice-versa com a simples mudança de uma nota, de um andamento. Um existencialista este homem, alguns séculos antes do mesmo emergir. A música incide sobre as nossas disposições de forma violenta, transportando a nossa existência para um estado paradisíaco, de quase divindade e perfeição - onde nada nos parece poder afectar - quer para o estado inverso, isto é, depois de uma existência estilhaçada, quer por um facto quer por muitos, a mesma traduz esse mesmo estar de forma vincada, como uma máquina que repetisse sem parar, ritmadamente, de forma doce, um estado de caos, de perda, de derrota. A música pára o tempo, e neste sentido identifica-o como tal, isto é, como tendo a capacidade de prolongar um minuto por toda uma vida, numa cadência angustiante e dilaceradora. Ela é amor, paixão, ódio, desespero, raiva, angústia, melancolia, saudade - essa chaga viva. E nós gostamos, e ouvimos e repetimos e no meio de tudo, pela voz da tristeza, conseguimos voltar a sonhar, a sorrir, a acreditar. É de facto um demónio, um embelezador da própria ilusão, da vida, desta ilusão de um instante.
Todos nós temos grupos e cantores favoritos. Eu tenho muitos, muitos mesmo, mas existem algumas músicas que nos tocam especialmente. De Mozart com a sua Masonic Funeral Musica, K. 477, com as maravilhosas árias das Bodas de Figaro, de Chopin com as suas nocturnas, de Pink Floyd com o seu Wish You Were Here, a Jorge Palma, Clã, a grande Amália, enfim, nesta infinidade, escolho duas Músicas que me fazem sentir precisamente aquilo que tão humildemente tentei explicar, isto é, a queda do mundo e a Subsequente perda. Receber a vida nos braços é isso mesmo, é ficar perdido. É isto que a Filosofia faz, é isto que nos faz perceber, uma posição que é isso mesmo e da qual não há fuga, tal como se estivéssemos eternamente frente a um espelho a acompanhar até ao fim o nosso envelhecimento. Auto-estrada sem portagens, jogo de futebol sem segunda parte.
Bom, escolhi duas músicas de duas bandas que retratam - no meu ponto de vista - a existência de forma sublime, cheias de metafísica, de existência, de busca, de inquietação. Como diz um excerto de uma música de uma das bandas: "Foi só mais um dia mau."
Ornatos Violeta e Madredeus, Chaga e Alfama, respectivamente. Deixo-vos as letras e espero que quem não conhece procure ouvi-las. Para mim são tudo. Como diz o título do segundo e último álbum - infelizmente - dos Ornatos Violeta, o monstro precisa de amigos.

Chaga
(Cruz/Peixe, Cruz)

foi como entrar
foi como arder
para ti nem foi viver
foi mudar o mundo
sem pensar em mim
mas o tempo até passou
e és o que ele me ensinou
uma chaga pra lembrar que há um fim

diz sem querer poupar meu corpo
eu já não sei quem te abraçou
diz que quando eu senti teu corpo sobre o meu
quando eu cair
eu espero ao menos que olhes para trás
diz que não te afastas de algo que é também teu
não vai haver um novo amor
tão capaz e tão maior
para mim será melhor assim
vê como eu quero
e vou tentar
sem matar o nosso amor
não achar que o mundo é feito para nós

foi como entrar
foi como arder
para ti nem foi viver
foi mudar o mundo
sem pensar em mim
mas o tempo até passou
e és o que ele me ensinou
uma chaga pra lembrar que há um fim

Alfama
(P.A.Magalhães/Rodrigo Leão)

Agora
que lembro
As horas ao longo do tempo

Desejo
Voltar
Voltar a ti
desejo-te encontrar

Esquecida
em cada dia que passa
nunca mais revi a graça
dos teus olhos que amei

Má sorte
foi amor que não retive
e se calhar distraí-me
qualquer coisa que encontrei

quarta-feira, junho 15, 2005

Imortal é conseguir ficar por cá depois de ir

Não venho aqui fazer teatro. Não conheço a fundo a obra de Eugénio de Andrade, não conheço os contornos da sua vida, nem pública nem privada. Só quero dizer a banalidade de que homens como ele não morrem, pois fazem com que outros vivam, com que outros sintam. Digo isto, pois experienciei essa sensação quando um dia li:

"[...] só a ti canto, pois já não sei outra forma de ser e de encontrar-me."

Obrigado e até sempre.

quinta-feira, junho 09, 2005

Sociedade in Redutio ad absurdum - Cristiano Ronaldo - 115 mil, uma ninharia

Bom dia. Não me vou alongar muito em considerações, pois irei usar a técnica das reportagens "no comments". Bom, quando hoje, ao cumprir o ritual matinal de leitura do jornal Record, acompanhado da bela da bica, me deparei com um artigo de um colunista habitual, fiquei boquiaberto. No mesmo, já no final o mesmo escreveu algo deste género: "[...] depois da exibição de ontem do Cristiano Ronaldo, os 115 mil euros (mensais) pagos pelo Manchester United, são considerados uma ninharia." Com todos os argumentos que possam usar para justificar esta afirmação, comparativos na sua maioria, pois existem jogadores a ganhar muito mais que não o merecem, e blá, blá, blá, como é possível escrever esta afronta num pais como o nosso, onde todos os dias fecham fábricas, onde existem 150.000 desempregados e mais qualquer coisa, onde se esperam horas e horas numa fila de hospital? Adoro futebol, e os que me conhecem sabem, mas não posso pactuar com isto, é vergonhoso, temos de ter cuidado com as expressões que usamos, pois podem ser ofensivas, por muito inocentes que sejam. Um texto, quando cai na praça pública, torna-se órfão e como tal, deve ser escrito com toda a prudência. Aquela frase não poderia ter sido escrita, pois ninguém merece aquele dinheiro, na minha opinião, especialmente um futebolista, mas o tempo encarregar-se-á de dar razão a quem pensa como eu, vamos ver é a que preço.

sexta-feira, maio 27, 2005

A magia das crianças / O orgulho nos meus amigos

Tive o prazer de assistir no Sábado passado às actividades das escolinhas de futebol do Vitória de Setúbal e digo-vos que foi um momento alto num fim-de-semana algo tristonho. O meu grande e bom amigo Hugo Simões é professor e foi com grande orgulho que vi aquele com quem partilho asneiras, parvoíces, opiniões de futebol, aquele com quem faço o pior - no sentido de engraçado - e o melhor - no sentido de responsável - ser tratado com respeito, com carinho, ou seja, como o Professor Hugo. Que sentimentos me invadiram naquela altura, o quão multi-facetada pode ser a nossa existência, de que mil maneiras a mesma toca as mais diversas pessoas e acho que quantas mais tocar de forma positiva melhor ela é. O amigo Hugo, o companheiro de futebol, dos copos, das caracoladas, das sardinhadas é também o professor Hugo. Ele conseguiu e dou-lhe aqui os meus parabéns.

Falta-me agora ter o prazer e o orgulho do observar o amigo Emanuel, Bruno Almeida e Alexandre Silva. Parabéns "soc´s".

Agora as crianças, que alegria na alma daquela gente de 1/2 metro. Uma bola, umas balizas, poucas regras, equipas e já está, uma tarde de sonho para mais tarde recordar vivida no palco pisado por tantas estrelas, por tantos ídolos. Imagino a frase que mais dominou as conversas da segunda-feira - e também quantos não tiveram que ser "acalmados" para dormir nessa noite, acalmados daquele modo que os pais às vezes têm de usar - "Eu estive lá...".

Vi um "artista" marcar um golo e correr para a bancada, primeiro a apertar o simbolo do Vitória na camisola e depois a apontar para a bancada, de indicador em riste, como os craques fazem, só faltando mesmo o tradicional beijo na aliança, sendo que esse ainda vem longe, vi outro, chamado Hugo, cujo colete era maior que ele e sem dúvida era daqueles que chamam para si um carinho especial. Enquanto a bola estava longe ele era pulos, cabalhotas, "sapos", tudo o que significasse na sua cabeçita alegria e liberdade. O melhor e que me fez mesmo rir, foi quando soube o nome do pirata mor pois, isso mesmo, EDUARDO.....! No fim, o desfile, o tradicional "Somos os melhores..", "Somos Campeões..", não fossem os professores e teria havido sururu, de certeza.

Dois lamentos, deixo aqui dois lamentos. Primeiro, um pai que se abeira do professor e que pede - leia-se: exige - que os meninos saiam mais cedo porque tem de ir para o Algarve. Começa aqui a desresponsabilização, a falta de cuidado, pois há semanas que sabia que as crainças só poderiam sair às 18:30 e não antes. Porque é que colocam os filhos nisto? para fazer estatuto, para os mesmos terem distracção, para conviverem? O futebol não é mais o parente pobre da sociedade, está a mudar. Acabaram os treinadores barrigudos, acabaram (estão a acabar) os ex-jogadores que bastava serem isso mesmo para orientar alminhas. Chegaram as academias, chegou a ciência, a educação, a pedagogia. Mas como em tudo, tem de começar em casa, e não é por ser filho de A, B, C, D que pode sair mais cedo, A, B, C, D não faz um favor ao Vitória de Setúbal por ter lá o filho, não faz um favor aos seus profissionais que tiraram as suas licenciaturas e muitos os seus mestrados e doutoramentos. Não, pelo contrário, o Vitória e os seus profissionais é que prestam um serviço muito útil às crianças desta cidade, mesmo aos filhos do magânime A, B, C, D que por sinal, coordenação de movimentos não é com eles.

Mas o professor está lá, não faz distinção, pois nesta fase aquilo que é mais importante é a criação de laços com o desporto, a compreensão do mesmo, o conceito de equipa, o relacionamento. Isto é pedagogia, isto é um trabalho árduo e não deve ser desvalorizado em prol de outra profissão qualquer. Se assim for, se assim fosse, talvez daqui a uns anos não hajam João Pintos a bater em árbitros, talvez nunca tivesse havido. Com as escolinhas de futebol, talvez deixem de existir as poucas-vergonhas da Avenida dos Aliados ou dos instantes finais da festa no Estádio da Luz.

Daqui parto para outro lamento. Existem pais que não colocam os seus meninos nisto pois vêem o futebol como formação de brutos, de asneirentos que não estudam, enfim. Que pena, como gostaria de ver o meu Pedrocas ou o meu Manelito - um pirata que não se chama Eduardo - a beijar o símbolo depois de um golo, a cortar um lance na área, de carinho e depois a saltar no meio dos colegas.

As escolinhas de futebol são excelentes modelos de formação e educação, mais do que isso, de entrosamento, pois as grandes famílias acabaram. Hoje, a família de um filho, quase sempre único, não são os cerca de 20/30 primos - como os que eu tenho - mas sim o vizinho do lado, o colega de equipa, os colegas da escola ou colégio. Os passes longos e medidos, os remates à trave, a relva, o sintético, substituíram as cuecas entre passeios e carros, os remates ao vidro da vizinha, as quedas no alcatrão e no ringue do bairro. O tempo avançou papás e o futebol também. Que pena não ter sido um dos meus pirralhos naquela relva, naquela tarde de sábado.

domingo, abril 03, 2005

Adeus exemplo de vida plena

Morreu o papa João Paulo II. Para mim, que não sou um crente fervoroso, mas antes um crente como todos os seres humanos "têm" de ser, 2º o meu ponto de vista é claro, foi um momento de grande introspecção, mais do que de grande tristeza, pois a distância permite-me esse sentimento. Qualquer morte de um ente querido é também motivo de introspecção, claro, mas por motivos diferentes da condição humana, isto é, no caso dos ente queridos a questão gira à volta do porquê da morte, do porquê da partida, da saudade. Neste caso específico, vi-me lançado na questão do como viver, do como é possível dar-se um ultimo suspiro tranquilo, satisfeito, pleno. Com todas as questões que podem ser aqui levantadas acerca do que é uma vida plena, e que não as vou enumerar nem discutir, eu, Eduardo Neves, brincalhão com as figuras da igreja, brincalhão com as minhas "conversas" com o JC, declaro a vida de João Paulo II como tenho sido uma vida plena, pois conheceu, deu a conhecer, iluminou, guiou e transformou almas, foi alimento de fé, de crença e mais importante que isso, alimento de esperança para muita gente. Convicto, conservador, mas lutador, amante da paz e do diálogo. Portanto não chorei, não. De facto, na minha alma soltei um sorriso, um sorriso de quem se despede de alguém que vai para uma viagem, um sorriso de paz. João Paulo II viveu. Ganhou por isso o direito à imortalidade. Adeus João Paulo II e deixo para ti e para o mundo um frase de Santo Agostinho:

"Não fiquemos tristes por tê-lo perdido. Agradeçamos o facto de tê-lo tido."

sexta-feira, abril 01, 2005

Mais uma grande noite para recordar, mais uma noite de diversão, onde, enquanto o corpo "secava" o muito álcool, se renovaram votos de sincera amizade, esperança, enfim, aquelas coisas que só acontecem entre amigos verdadeiros, amigos daqueles que vão ficar mesmo para a vida. É deles este sorriso de felicidade, é para eles este sorriso. Abraços equipz
Posted by Hello

domingo, fevereiro 27, 2005

Notícias do Paraíso

Atenção, notícia de última hora. Fortemente censurada pelo vaticano, tive acesso à mesma numa das minhas "privadas" - passo a expressão - com JC himself.

Morreu a irmã Lúcia. Paz à sua alma
Dois dias depois de ter morrido, estando farta disto até à raiz dos cabelos, apanhou o avião para o paraíso, pois tal como o Sócrates, não via a necessiadade de perder mais tempo, se bem que neste caso também possa ser equacionada a questão olfactiva, e em virtude do seu virtuosismo existencial, foi em primeira classe com direito a champagne e morangos. Quando chegou ao céu, foi dar uma volta pelos jardins do paraíso e neles avistou a nossa senhora de Fátima. Nisto, arranca num pranto desmedido direito à distinta senhora. Ao chegar ao pé da mesma, coloca-lhe delicadamente as mãos nos ombros e diz: Fátinha, há quanto tempo não lhe punha a vista em cima.

O mesmo JC confidenciou-me que se encontra em conversações com o Pai. O assunto em questão prende-se com uma nova aparição corpórea - existencial factual - para expiar de novo os pecados do homem. "Se o Pai pensar bem, já lá vão 1972 anos de pecados", disse o JC ao seu Pai. Então, e em virtude de termos sido um "bocadinho descuidados" - expressão usada pelo J - estão programadas não uma crucificação, mas sim uma tournée mundial e pensa-se que Alvadade será contemplada. Em segredo disse-me que também quer desanuviar um bocado da vita supra-terrena. Está stressado e com saudades da "cena" com a Maria Madalena.

terça-feira, fevereiro 08, 2005

O Nazismo para além do anti-semitismo

Este é sem dúvida um tema polémico e espero ser compreendido ao abordá-lo, a saber, o Nacional-socialismo, ou como costumamos dizer, o Nazismo, ou ainda melhor, os assassinos, os monstros, etc.
Comemorou-se no passado dia 27 de Janeiro o sexagésimo aniversário da libertação de Auschwitz. Passaram já 60 anos e da maior parte das pessoas aquilo que ouvimos quando se fala da Alemanha de 30 e 40 é: "Horror", "Monstros", mataram judeus e aterrorizaram o mundo. Sem dúvida alguma que o fizeram, mas a história segue o seu rumo, e sem esquecer o horror - precisamente para não o esquecer - devemos ser capazes de olhar para os campos de concentração como um facto, tal e qual como olhamos para os Gulag´s, ou hoje em dia para Guantanamo. É um facto histórico, custe que não custe, já passou e como tal, deve ser investigado, estudado, tratado, transmitido como isso, como um facto. Do mesmo modo, nunca vi, nunca mesmo, uma investigação sobre a Alemanha Nazi sem bater nesta tecla. Mas adiante.
O que quero dizer. Bom, devo poder elogiar o espírito alemão sem receios, o seu engenho, o seu sentido estético, a sua altivez, a sua megalomania. Devo poder criticá-los, mas chega de crucificá-los, chega. Jesus Cristo continua lá por nós, por todos os nossos pecados, para quem acredite nisto, nem que seja metaforicamente.
Devo poder dizer que sou contra, o que pelo menos gostava que me justificassem por A mais B - no espírito do Direito - os julgamentos de Nuremberga. Sou contra um dos principais factores, a meu ver, que causaram toda esta loucura que foi a segunda guerra mundial, a saber, o tratado de Versailles, que instituiu a república de Weimar em 1919. Aqui, toda uma Europa clássica e arrogante, aliada a um emergente Estados Unidos, ao invés de procurar recuperar uma nação, não. Estupidamente decidiu aniquilar um espírito, uma grande nação, raiz da cultura europeia por centenas de anos, mãe de grandes mestres em todas as áreas, em prol de compensações económicas. Pensaram eliminar um adversário. Assim, enquanto em Paris se dançava o foxtrot, e vivia-se a Belle Epoque, os alemães pagavam multas, suportavam um crescente e degradante socialismo e chegam às eleições de 1933 com 4 milhões de desempregados. A oportunidade faz o ladrão, como se costuma dizer.
Saiu, este sábado, um artigo fantástico na revista do expresso sobre precisamente isto, isto é, a perspectiva histórica de Auschwitz, pois Auschwitz tem uma raiz, a saber, todo o regime nazi. Foi a parte absurda de mais uma nação conquistadora. E se Napoleão tem querido aniquilar uma raça? Teria sido escrita a guerra e paz? Teriam sido escritos livros? Teriam sido feitos relatos apaixonados, românticos sobre ele e Josephine? E então Eva Braun? Poderemos nós mostrar o lado humano do seu grande amor, Adolph Hitler? Será que ele se deitava no seu colo e dizia que a amava ou seria como Herr Flick em Allô, Allô: "Helga, you may kisse me now."
Para prevenir há que compreender, e compreender só se consegue investigando, e por sua vez, publicar e falar sobre essas investigações. Foram pessoas que fizeram aquilo e esse é o perigo, pois continuam a haver pessoas.
Terei eu liberdade para me comover com um acto paternal de um SS - anjo da morte - Pai, Avô, Tio? Terei eu liberdade, para sequer catalogá-lo como ser humano? Liberdade terei, agora se serei compreendido, duvido. (Estaline matou 20 milhões - tem estátuas)
Digo mesmo mais, se o Mein Kampft é proibido, se Georg Heider subiu ao poder na Áustria, é porque continuamos a não ser educados, é porque continuamos a falhar como pais, como amigos, como irmãos, é porque não analisamos bem tudo aquilo que nos rodeia, é porque somos pessoas. Olha, somos pessoas como eles foram. Engraçado.....
Dizem que são precisos actos anti democráticos para manter a democracia. Mas de onde advêm a crise das mesma? Porque se continuam a alimentar, a fomentar, a viver de desigualdades? Não foram estas, agudizadas, que permitiram o surgir de uma Alemanha Nazi? Temos tanto que crescer.
Basta digo eu, deixemos partir os mortos, façamos com que não morram mais daquela forma. Só judeus foram 6.000.000. Acho que é tempo de encerrar isto como desgraça pura e passá-lo a ver como factor histórico, horroroso no seu facto de acontecer. Trata-se de libertar o espírito e trocar a disposição dos termos.
Seremos sempre a inquisição, seremos sempre a escravatura, as guerras pela fé, os ruandas, os vietnames, os Pinochet´s, os Saddam´s, os Sharon´s, os Bush´s, os Gulag´s, os Estalines, etc. Mas do mesmo modo, podemos tentar nunca mais sê-los, mas não pela via dramática, miserável, pelo choque do espectador levado quase à teatralização - até acho falta de respeito por quem lá pereceu - pela focagem única e exclusivamente do horror da morte, da chacina. Existiram PESSOAS por detrás disto. Ora, vejamos estas considerações de Kundera acerca do eterno retorno Nitschtziano:

"[...]pensar que um dia, tudo o que se viveu se há-de repetir ainda uma e outra vez, até ao infinito! Que significado terá este mito insensato?[...]"

E se algo como, a revolução francesa ou o regime Nazi se repetisse, se se sentisse como uma chaga permanente? o que se alteraria numa repetição da Alemanha Nazi de 40, ou na guilhotina dos novos "cidadãos"?

"[...] passará a erguer-se como um bloco perdurável cuja estupidez não terá remissão.[...]Mas como se refere a algo que nunca mais voltará, esses anos sangrentos, reduzem-se hoje, apenas a palavras, teorias, discussões, mais leves do que penas, algo que já não aterroriza ninguém."

Será mesmo assim? Ao muro de Berlim, sucedeu-se o murro de Sharon. Não se falou o suficiente de muros..... Temos de por Aushwitz para "trás das costas", precisamente porque o precisamos de ter bem presente.

"[...] a ideia do eterno retorno[...] as coisas [...] aparecem sem a circunstância atenuante da sua fugacidade.[...] Poderá condenar-se o que é efémero? As nuvens alanranjadas do poente iluminam tudo com o encanto da nostalgia, mesmo a guilhotina.
Não há muito , eu próprio me defrontei com o facto. Parece incrível, mas ao folhear um livro sobre Hitler, comovi-me com algumas dessas fotografias[...] a minha infância[...] durante a guerra, diversas pessoas da minha família morreram nos campos de concentração Nazis, mas o que eram essas mortes comparadas com uma fotografia de Hitler que me fazia lembrar um tempo perdido da minha vida, um tempo que nunca mais há-de voltar?
Esta minha reconciliação com Hitler deixa entrever a profunda perversão inerente a um mundo fundado essencialmente sobre a inexistência de retorno, porque nesse mundo tudo se encontra previamente perdoado e tudo é, cinicamente permitido."

Basta, falemos, não ocultemos nada. Goebbels é estudado, ainda hoje, em retórica a par de Górgias. Basta, os americanos deixaram que o exército vermelho chegasse a Berlim, a Hitler, porque preferiram os segredos do Drº Menguele. Basta, os americanos contrataram os cientistas da IG Farben. Basta, basta. Estudemo-los, falemos sobre eles, sobre o seu lado humano, para que não renasçam. Por fim, perdoe-me, mas também já perdi pessoas. Venha de lá o tempo. Deixo uma questão: e se tivessem sido 6.000.001? E se tivessem sido 7.000.000? Ou 50?
Somos sempre chocados pela quantidade, sempre.

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Primeiro escrito - Da necessidade do outro

É sem dúvida uma matéria pouco clara e difícil resolução. Duvido mesmo que seja mesmo possível encontrar unanimidade na resolução desta questão. Mas este é o meu blog, e como tal, tenho o direito de deixar aqui as minhas opiniões, o meu modo de acesso ao mundo sem me preocupar com os demais. De qualquer modo, só me posso expôr às críticas e à evolução se apresentar as minhas matérias sem medo. Deixo aqui uma meditação simples, feita num qualquer dia de 2001, onde, procurando seguir mestres como Kant ou Goethe, decidi anotar algumas meditações. Contudo o desgosto, a desilusão, alguma indolência e o refúgio no clássico, já dito, já feito, levaram a que muito pouco tivesse sido feito, a que muito pouco tivesse sido escrito. De qualquer modo, também Bartleby respondeu a toda a gente, "I´d rather not to" e do mesmo modo Larry disse " Just Nothing", o primeiro pela caneta de Melville, o segundo pela de William Sommerset, quando inquiridos porque não faziam nada. Às vezes apetecia-me fazê-lo, apetecia-me parar este comboio, compreender o que se passa, aprender e depois pô-lo de novo em movimento. Mas não dá, e lembro-me sempre de KierKgaard: "A experiência é uma coisa muito chata, pois têmo-lo no preciso momento em que fazia falta." Então, aqui fica:

"Nesta existência, o melhor de tudo é amar e ser amado. Quando se ama pode-se tudo, estamos cheios de nós, todo o mundo está em aberto. Quando não se ama, quando queremos e não temos, mesmo tendo-se tudo, está-se constantemente a olhar para o nada. Assim, quando não se é amado, podendo-se tudo, o tudo não vale nada. Está-se numa constante para o vazio, para nada."