sexta-feira, maio 27, 2005

A magia das crianças / O orgulho nos meus amigos

Tive o prazer de assistir no Sábado passado às actividades das escolinhas de futebol do Vitória de Setúbal e digo-vos que foi um momento alto num fim-de-semana algo tristonho. O meu grande e bom amigo Hugo Simões é professor e foi com grande orgulho que vi aquele com quem partilho asneiras, parvoíces, opiniões de futebol, aquele com quem faço o pior - no sentido de engraçado - e o melhor - no sentido de responsável - ser tratado com respeito, com carinho, ou seja, como o Professor Hugo. Que sentimentos me invadiram naquela altura, o quão multi-facetada pode ser a nossa existência, de que mil maneiras a mesma toca as mais diversas pessoas e acho que quantas mais tocar de forma positiva melhor ela é. O amigo Hugo, o companheiro de futebol, dos copos, das caracoladas, das sardinhadas é também o professor Hugo. Ele conseguiu e dou-lhe aqui os meus parabéns.

Falta-me agora ter o prazer e o orgulho do observar o amigo Emanuel, Bruno Almeida e Alexandre Silva. Parabéns "soc´s".

Agora as crianças, que alegria na alma daquela gente de 1/2 metro. Uma bola, umas balizas, poucas regras, equipas e já está, uma tarde de sonho para mais tarde recordar vivida no palco pisado por tantas estrelas, por tantos ídolos. Imagino a frase que mais dominou as conversas da segunda-feira - e também quantos não tiveram que ser "acalmados" para dormir nessa noite, acalmados daquele modo que os pais às vezes têm de usar - "Eu estive lá...".

Vi um "artista" marcar um golo e correr para a bancada, primeiro a apertar o simbolo do Vitória na camisola e depois a apontar para a bancada, de indicador em riste, como os craques fazem, só faltando mesmo o tradicional beijo na aliança, sendo que esse ainda vem longe, vi outro, chamado Hugo, cujo colete era maior que ele e sem dúvida era daqueles que chamam para si um carinho especial. Enquanto a bola estava longe ele era pulos, cabalhotas, "sapos", tudo o que significasse na sua cabeçita alegria e liberdade. O melhor e que me fez mesmo rir, foi quando soube o nome do pirata mor pois, isso mesmo, EDUARDO.....! No fim, o desfile, o tradicional "Somos os melhores..", "Somos Campeões..", não fossem os professores e teria havido sururu, de certeza.

Dois lamentos, deixo aqui dois lamentos. Primeiro, um pai que se abeira do professor e que pede - leia-se: exige - que os meninos saiam mais cedo porque tem de ir para o Algarve. Começa aqui a desresponsabilização, a falta de cuidado, pois há semanas que sabia que as crainças só poderiam sair às 18:30 e não antes. Porque é que colocam os filhos nisto? para fazer estatuto, para os mesmos terem distracção, para conviverem? O futebol não é mais o parente pobre da sociedade, está a mudar. Acabaram os treinadores barrigudos, acabaram (estão a acabar) os ex-jogadores que bastava serem isso mesmo para orientar alminhas. Chegaram as academias, chegou a ciência, a educação, a pedagogia. Mas como em tudo, tem de começar em casa, e não é por ser filho de A, B, C, D que pode sair mais cedo, A, B, C, D não faz um favor ao Vitória de Setúbal por ter lá o filho, não faz um favor aos seus profissionais que tiraram as suas licenciaturas e muitos os seus mestrados e doutoramentos. Não, pelo contrário, o Vitória e os seus profissionais é que prestam um serviço muito útil às crianças desta cidade, mesmo aos filhos do magânime A, B, C, D que por sinal, coordenação de movimentos não é com eles.

Mas o professor está lá, não faz distinção, pois nesta fase aquilo que é mais importante é a criação de laços com o desporto, a compreensão do mesmo, o conceito de equipa, o relacionamento. Isto é pedagogia, isto é um trabalho árduo e não deve ser desvalorizado em prol de outra profissão qualquer. Se assim for, se assim fosse, talvez daqui a uns anos não hajam João Pintos a bater em árbitros, talvez nunca tivesse havido. Com as escolinhas de futebol, talvez deixem de existir as poucas-vergonhas da Avenida dos Aliados ou dos instantes finais da festa no Estádio da Luz.

Daqui parto para outro lamento. Existem pais que não colocam os seus meninos nisto pois vêem o futebol como formação de brutos, de asneirentos que não estudam, enfim. Que pena, como gostaria de ver o meu Pedrocas ou o meu Manelito - um pirata que não se chama Eduardo - a beijar o símbolo depois de um golo, a cortar um lance na área, de carinho e depois a saltar no meio dos colegas.

As escolinhas de futebol são excelentes modelos de formação e educação, mais do que isso, de entrosamento, pois as grandes famílias acabaram. Hoje, a família de um filho, quase sempre único, não são os cerca de 20/30 primos - como os que eu tenho - mas sim o vizinho do lado, o colega de equipa, os colegas da escola ou colégio. Os passes longos e medidos, os remates à trave, a relva, o sintético, substituíram as cuecas entre passeios e carros, os remates ao vidro da vizinha, as quedas no alcatrão e no ringue do bairro. O tempo avançou papás e o futebol também. Que pena não ter sido um dos meus pirralhos naquela relva, naquela tarde de sábado.

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