terça-feira, fevereiro 08, 2005

O Nazismo para além do anti-semitismo

Este é sem dúvida um tema polémico e espero ser compreendido ao abordá-lo, a saber, o Nacional-socialismo, ou como costumamos dizer, o Nazismo, ou ainda melhor, os assassinos, os monstros, etc.
Comemorou-se no passado dia 27 de Janeiro o sexagésimo aniversário da libertação de Auschwitz. Passaram já 60 anos e da maior parte das pessoas aquilo que ouvimos quando se fala da Alemanha de 30 e 40 é: "Horror", "Monstros", mataram judeus e aterrorizaram o mundo. Sem dúvida alguma que o fizeram, mas a história segue o seu rumo, e sem esquecer o horror - precisamente para não o esquecer - devemos ser capazes de olhar para os campos de concentração como um facto, tal e qual como olhamos para os Gulag´s, ou hoje em dia para Guantanamo. É um facto histórico, custe que não custe, já passou e como tal, deve ser investigado, estudado, tratado, transmitido como isso, como um facto. Do mesmo modo, nunca vi, nunca mesmo, uma investigação sobre a Alemanha Nazi sem bater nesta tecla. Mas adiante.
O que quero dizer. Bom, devo poder elogiar o espírito alemão sem receios, o seu engenho, o seu sentido estético, a sua altivez, a sua megalomania. Devo poder criticá-los, mas chega de crucificá-los, chega. Jesus Cristo continua lá por nós, por todos os nossos pecados, para quem acredite nisto, nem que seja metaforicamente.
Devo poder dizer que sou contra, o que pelo menos gostava que me justificassem por A mais B - no espírito do Direito - os julgamentos de Nuremberga. Sou contra um dos principais factores, a meu ver, que causaram toda esta loucura que foi a segunda guerra mundial, a saber, o tratado de Versailles, que instituiu a república de Weimar em 1919. Aqui, toda uma Europa clássica e arrogante, aliada a um emergente Estados Unidos, ao invés de procurar recuperar uma nação, não. Estupidamente decidiu aniquilar um espírito, uma grande nação, raiz da cultura europeia por centenas de anos, mãe de grandes mestres em todas as áreas, em prol de compensações económicas. Pensaram eliminar um adversário. Assim, enquanto em Paris se dançava o foxtrot, e vivia-se a Belle Epoque, os alemães pagavam multas, suportavam um crescente e degradante socialismo e chegam às eleições de 1933 com 4 milhões de desempregados. A oportunidade faz o ladrão, como se costuma dizer.
Saiu, este sábado, um artigo fantástico na revista do expresso sobre precisamente isto, isto é, a perspectiva histórica de Auschwitz, pois Auschwitz tem uma raiz, a saber, todo o regime nazi. Foi a parte absurda de mais uma nação conquistadora. E se Napoleão tem querido aniquilar uma raça? Teria sido escrita a guerra e paz? Teriam sido escritos livros? Teriam sido feitos relatos apaixonados, românticos sobre ele e Josephine? E então Eva Braun? Poderemos nós mostrar o lado humano do seu grande amor, Adolph Hitler? Será que ele se deitava no seu colo e dizia que a amava ou seria como Herr Flick em Allô, Allô: "Helga, you may kisse me now."
Para prevenir há que compreender, e compreender só se consegue investigando, e por sua vez, publicar e falar sobre essas investigações. Foram pessoas que fizeram aquilo e esse é o perigo, pois continuam a haver pessoas.
Terei eu liberdade para me comover com um acto paternal de um SS - anjo da morte - Pai, Avô, Tio? Terei eu liberdade, para sequer catalogá-lo como ser humano? Liberdade terei, agora se serei compreendido, duvido. (Estaline matou 20 milhões - tem estátuas)
Digo mesmo mais, se o Mein Kampft é proibido, se Georg Heider subiu ao poder na Áustria, é porque continuamos a não ser educados, é porque continuamos a falhar como pais, como amigos, como irmãos, é porque não analisamos bem tudo aquilo que nos rodeia, é porque somos pessoas. Olha, somos pessoas como eles foram. Engraçado.....
Dizem que são precisos actos anti democráticos para manter a democracia. Mas de onde advêm a crise das mesma? Porque se continuam a alimentar, a fomentar, a viver de desigualdades? Não foram estas, agudizadas, que permitiram o surgir de uma Alemanha Nazi? Temos tanto que crescer.
Basta digo eu, deixemos partir os mortos, façamos com que não morram mais daquela forma. Só judeus foram 6.000.000. Acho que é tempo de encerrar isto como desgraça pura e passá-lo a ver como factor histórico, horroroso no seu facto de acontecer. Trata-se de libertar o espírito e trocar a disposição dos termos.
Seremos sempre a inquisição, seremos sempre a escravatura, as guerras pela fé, os ruandas, os vietnames, os Pinochet´s, os Saddam´s, os Sharon´s, os Bush´s, os Gulag´s, os Estalines, etc. Mas do mesmo modo, podemos tentar nunca mais sê-los, mas não pela via dramática, miserável, pelo choque do espectador levado quase à teatralização - até acho falta de respeito por quem lá pereceu - pela focagem única e exclusivamente do horror da morte, da chacina. Existiram PESSOAS por detrás disto. Ora, vejamos estas considerações de Kundera acerca do eterno retorno Nitschtziano:

"[...]pensar que um dia, tudo o que se viveu se há-de repetir ainda uma e outra vez, até ao infinito! Que significado terá este mito insensato?[...]"

E se algo como, a revolução francesa ou o regime Nazi se repetisse, se se sentisse como uma chaga permanente? o que se alteraria numa repetição da Alemanha Nazi de 40, ou na guilhotina dos novos "cidadãos"?

"[...] passará a erguer-se como um bloco perdurável cuja estupidez não terá remissão.[...]Mas como se refere a algo que nunca mais voltará, esses anos sangrentos, reduzem-se hoje, apenas a palavras, teorias, discussões, mais leves do que penas, algo que já não aterroriza ninguém."

Será mesmo assim? Ao muro de Berlim, sucedeu-se o murro de Sharon. Não se falou o suficiente de muros..... Temos de por Aushwitz para "trás das costas", precisamente porque o precisamos de ter bem presente.

"[...] a ideia do eterno retorno[...] as coisas [...] aparecem sem a circunstância atenuante da sua fugacidade.[...] Poderá condenar-se o que é efémero? As nuvens alanranjadas do poente iluminam tudo com o encanto da nostalgia, mesmo a guilhotina.
Não há muito , eu próprio me defrontei com o facto. Parece incrível, mas ao folhear um livro sobre Hitler, comovi-me com algumas dessas fotografias[...] a minha infância[...] durante a guerra, diversas pessoas da minha família morreram nos campos de concentração Nazis, mas o que eram essas mortes comparadas com uma fotografia de Hitler que me fazia lembrar um tempo perdido da minha vida, um tempo que nunca mais há-de voltar?
Esta minha reconciliação com Hitler deixa entrever a profunda perversão inerente a um mundo fundado essencialmente sobre a inexistência de retorno, porque nesse mundo tudo se encontra previamente perdoado e tudo é, cinicamente permitido."

Basta, falemos, não ocultemos nada. Goebbels é estudado, ainda hoje, em retórica a par de Górgias. Basta, os americanos deixaram que o exército vermelho chegasse a Berlim, a Hitler, porque preferiram os segredos do Drº Menguele. Basta, os americanos contrataram os cientistas da IG Farben. Basta, basta. Estudemo-los, falemos sobre eles, sobre o seu lado humano, para que não renasçam. Por fim, perdoe-me, mas também já perdi pessoas. Venha de lá o tempo. Deixo uma questão: e se tivessem sido 6.000.001? E se tivessem sido 7.000.000? Ou 50?
Somos sempre chocados pela quantidade, sempre.

1 comentário:

Maria disse...

Acho que já conheces a minha posição sobre o Holocausto e sobre a forma como este desencadeou o fim: da História, da poesia. A Humanidade morreu em Auschwitz e isso não tem nada de relativo. Remeter o Holocausto para as páginas dos livros, transformá-lo em valores quantitativos (facilmente digeríveis e menos perturbadores) é abrir espaço para que, no futuro, novos cenários se repitam. Não são os números que impressionam, são as imagens. E, felizmente, ainda temos as imagens que nos fazem lembrar.
Assusta-me aperceber-me que a História se faz cada vez mais de não-ditos, de interditos, de lacunas por escrever. E é uma comunicadora ineficaz, porque não consegue fazer chegar à Humanidade o produto da sua obra. Não sabemos. Pouco sabemos.
Que fiquem as imagens, que nos façam recordar, que ao olhá-lhas, consigamos ver o quão longe podemos chegar.