sexta-feira, junho 17, 2005

O Elogio da música

A música, o elogio da música. É algo que há muito quero fazer, mas sempre achei que não conseguia escrever algo de relevante, que traduzisse o que queria verdadeiramente dizer. Ao dizer sempre achei - passado - não se pense que já não acho o mesmo, mas resolvi arriscar.
Tenho tido o prazer de assistir a algumas bandas ao vivo e tem sido verdadeiramente fantástico. Adoro música, a mesma transporta-me para fora de mim, para outro mundo, sem idade, sem tempo, sem convenções - parabéns aos P´laguita. Assim, neste sentido, vou usar aqui - não literalmente - algumas considerações de Aquino.
Tomás d´Aquino disse que a música era um demónio, uma das coisas mais perniciosas para o ser humano, pois tinha o poder de transportá-lo do céu ao inferno e vice-versa com a simples mudança de uma nota, de um andamento. Um existencialista este homem, alguns séculos antes do mesmo emergir. A música incide sobre as nossas disposições de forma violenta, transportando a nossa existência para um estado paradisíaco, de quase divindade e perfeição - onde nada nos parece poder afectar - quer para o estado inverso, isto é, depois de uma existência estilhaçada, quer por um facto quer por muitos, a mesma traduz esse mesmo estar de forma vincada, como uma máquina que repetisse sem parar, ritmadamente, de forma doce, um estado de caos, de perda, de derrota. A música pára o tempo, e neste sentido identifica-o como tal, isto é, como tendo a capacidade de prolongar um minuto por toda uma vida, numa cadência angustiante e dilaceradora. Ela é amor, paixão, ódio, desespero, raiva, angústia, melancolia, saudade - essa chaga viva. E nós gostamos, e ouvimos e repetimos e no meio de tudo, pela voz da tristeza, conseguimos voltar a sonhar, a sorrir, a acreditar. É de facto um demónio, um embelezador da própria ilusão, da vida, desta ilusão de um instante.
Todos nós temos grupos e cantores favoritos. Eu tenho muitos, muitos mesmo, mas existem algumas músicas que nos tocam especialmente. De Mozart com a sua Masonic Funeral Musica, K. 477, com as maravilhosas árias das Bodas de Figaro, de Chopin com as suas nocturnas, de Pink Floyd com o seu Wish You Were Here, a Jorge Palma, Clã, a grande Amália, enfim, nesta infinidade, escolho duas Músicas que me fazem sentir precisamente aquilo que tão humildemente tentei explicar, isto é, a queda do mundo e a Subsequente perda. Receber a vida nos braços é isso mesmo, é ficar perdido. É isto que a Filosofia faz, é isto que nos faz perceber, uma posição que é isso mesmo e da qual não há fuga, tal como se estivéssemos eternamente frente a um espelho a acompanhar até ao fim o nosso envelhecimento. Auto-estrada sem portagens, jogo de futebol sem segunda parte.
Bom, escolhi duas músicas de duas bandas que retratam - no meu ponto de vista - a existência de forma sublime, cheias de metafísica, de existência, de busca, de inquietação. Como diz um excerto de uma música de uma das bandas: "Foi só mais um dia mau."
Ornatos Violeta e Madredeus, Chaga e Alfama, respectivamente. Deixo-vos as letras e espero que quem não conhece procure ouvi-las. Para mim são tudo. Como diz o título do segundo e último álbum - infelizmente - dos Ornatos Violeta, o monstro precisa de amigos.

Chaga
(Cruz/Peixe, Cruz)

foi como entrar
foi como arder
para ti nem foi viver
foi mudar o mundo
sem pensar em mim
mas o tempo até passou
e és o que ele me ensinou
uma chaga pra lembrar que há um fim

diz sem querer poupar meu corpo
eu já não sei quem te abraçou
diz que quando eu senti teu corpo sobre o meu
quando eu cair
eu espero ao menos que olhes para trás
diz que não te afastas de algo que é também teu
não vai haver um novo amor
tão capaz e tão maior
para mim será melhor assim
vê como eu quero
e vou tentar
sem matar o nosso amor
não achar que o mundo é feito para nós

foi como entrar
foi como arder
para ti nem foi viver
foi mudar o mundo
sem pensar em mim
mas o tempo até passou
e és o que ele me ensinou
uma chaga pra lembrar que há um fim

Alfama
(P.A.Magalhães/Rodrigo Leão)

Agora
que lembro
As horas ao longo do tempo

Desejo
Voltar
Voltar a ti
desejo-te encontrar

Esquecida
em cada dia que passa
nunca mais revi a graça
dos teus olhos que amei

Má sorte
foi amor que não retive
e se calhar distraí-me
qualquer coisa que encontrei

4 comentários:

Maria disse...

Na monotonia cinzenta de mais um Sàbado,o inesperado acontece.As palavras brancas no fundo preto provocam-me um aperto no estômago, um golpe doce de verdade. Escrever sobre a música pelo que ela é e pelo que provoca requer sensibilidade, toque de veludo das palavras, vivências musicadas. Toda a gente ouve música, mas nem todos a sentem.
Já to havia dito... a tua escrita é de tristeza e de melancolia. Mas se isso me irrita profundamente noutros textos, neste resultou na perfeição. Arrepiei-me a cada parágrafo!
Continua!

PS: como boa critica que sou, não seria justo apontar apenas os pontos positivos. Atenção às repetições e ao uso desregrado de vírgulas!

Continua!

Anónimo disse...

a maria tem razão.
ouves mais do q as canções q escolhes ouvir (ou te escolhem a ti): ouves música.

eu sei o q é isso, também me oiço (na música), conheço o estilhaçar e a perfeição completos e (desculpa a redundância) perfeitos, q te congelam no momento.

e sei q falas de mais do q isso, porque te conheço a ti e ao filtro do teu ponto de vista.

por isso não sou a melhor comentadora do teu blog.

fico feliz q escrevas, q penses.

as musicas q escolheste, não as conheço, mas as letras são, de facto, lindas.
elisa.

Roberto Iza Valdés disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
marta disse...

sim, e isso que sinto quando ouço .. é mesmo isso .. :) adoro o tipo de escrita .. nota-se que é sentido ! uma óptima descrição de música.. Também tenho tentado fazê-la na minha cabeça, mas é como se fosse impossível escrevê-la, se é que entendes.. é como se a definição, as sensações que a música nos oferece fossem impossível de dizer, ou transmitir .. como se existissem em cada um de nós mas só no nosso âmago na nossa alma .. não consigo dizer o que é a música para mim, apenas que me completa, que faz parte de mim e que preciso dela .. mas o teu conceito está perto do ideal ! ;)