«Para a maioria dos indivíduos o trabalho é, de todas as actividades, a que ocupa a maior parte das suas vidas. Associamos, frequentemente, a noção de trabalho a escravidão – um conjunto de tarefas que pretendemos minimizar e, se possível, a que queremos escapar. O trabalho é mais do que escravidão, ou as pessoas não se sentiriam tão perdidas e desorientadas quando ficam desempregadas. […] Nas sociedades modernas ter um emprego é importante para se preservar o respeito por si próprio. Mesmo quando as condições de trabalho são relativamente desagradáveis e as tarefas a realizar monótonas, o trabalho tende a ser um elemento estruturante na constituição psicológica das pessoas e no ciclo das suas actividades.»
"Quando reflectimos sobre a disposição que a maioria de nós, seres humanos, os ditos normais ou funcionais, aparenta ter perante a existência, que se manifesta na constituição da sua vida, não podemos deixar de nos interrogar acerca daquilo que nos move, pois parece ser um facto que caminhamos para lado nenhum. Que pretendemos nós dizer com isto? A nossa vida, não tendo nada garantido, tem duas coisas muito bem definidas, nascemos, estamos no mundo, e outra, que quer nós façamos o que quer que seja, acontecerá um dia, ou seja, vamos morrer. E uma coisa é certa: podemos nem todos viver, mas todos morremos.
O que deriva desta afirmação é a descoberta da vida não como gratuita, mas como possibilidade de constituição. Mas, paralelamente, não parece estranha a constituição disto a que chamamos vida? Não seria melhor fazer o que nos apetecesse e esperar pela hora? A nossa racionalidade diz-nos que não e ao longo da nossa evolução desenvolvemos uma relação estreita com isso a que chamamos de actividade, seja ela intelectual ou física, que conduz ou leva à constituição da nossa vida, chegando mesmo a identificar-se com a mesma. A vida é prática. Neste sentido, somos reconhecidos socialmente, do ponto de vista positivo ou negativo, quando fazemos qualquer coisa, somos incluídos ou marginalizados socialmente em virtude do curso que damos às nossas actividades, em virtude do rumo que damos à nossa vida.
Foi neste pressuposto que as sociedades se constituíram desde os primórdios da humanidade. Este impulso para fazer coisas é algo que nos é intrínseco, e as sociedades contemporâneas, especialmente na sequência da segunda guerra mundial onde os estados assumiram um papel primordial na reconstrução e reestruturação das sociedades, com maior ou menor intervenção, seguindo políticas mais ou menos liberais, mais ou menos proteccionistas, parecem ter definido para o homem comum o caminho da constituição da sua vida, como se pela mão o guiasse e protegesse. Neste sentido, podemos dizer que existem uma série de passos a dar para que a sociedade nos aceite e nos reconheça como seu membro, e ao mesmo tempo nos permite fazer uso daquilo que nos pode dar como cidadãos de direito, por hipótese, protecção social, judicial, fiscal, etc. Os passos foram mudando ao longo dos tempos, conforme também as sociedades foram evoluindo. Aquele que nos cumpre analisar aqui é o trabalho e a centralidade que o mesmo ocupa na vida do Homem, da pessoa e do cidadão.
O homem tem uma relação profunda com o trabalho, com o produzir coisas. Da simples e básica subsistência, à sociedade de topo contemporânea do mundo desenvolvido, aquilo que fazemos e como o fazemos ocupa um espaço central na nossa vida. E isto porquê? Porque nos proporciona estabilidade no presente e nos dá esperança para o futuro.
Do ponto de vista garantia do futuro individual, o rendimento que nos proporciona, a inclusão social que promove, permite ao homem gozar da protecção social do estado providência, mas também construir a sua própria providência nos estados mais liberais, recorrendo a instrumentos modernos de poupança. Mas não só. Do ponto de vista colectivo, é o trabalho que permite que possamos pensar em ter uma casa, um carro, em constituir família, ter filhos, em preparar os primeiros passos desses mesmos filhos.
É no trabalho que gastamos grande parte da nossa vida, mas também é o trabalho que nos permite alguma tranquilidade quando pensamos naqueles que temos mais próximos. Do mesmo modo, é pelo trabalho que nos sentimos integrados e como pertencentes ao meio que nos rodeia e na ausência do mesmo sentimos o oposto. Quem já passou por isso, sabe o quão dramático é passar pela situação de desempregado, quer tendo direito aos subsídios sociais ou não. Ansiar por uma entrevista, esperar que um qualquer recrutador “vá com a nossa cara e aposte em nós” é uma experiência desgastante e que nos faz olhar para o mundo desesperados, pois nada podemos fazer sem trabalho e sem rendimento; todas as portas se fecham [...] "
NEVES, EDUARDO, Da Sociedade Industrial à Sociedade Pós-Industrial: Individualização, Risco e Descontinuidades Biográficas, introdução do ensaio apresentado à cadeira de Sociologia do Trabalho, semestre de inverno, , ISCTE, Mestrado em Ciências do Trabalho, 2007/2008
Sem comentários:
Enviar um comentário