Hoje o meu companheiro de diálogo, ou monólogo, fui eu, ou sou eu, pois parece-me estranho ligar aos tempos verbais, num sítio onde não há tempo, ou onde só há tempo. Já quanto ao ser o meu companheiro de diálogo, se é um facto que com isto pareço excluir o 16, questiono-me cada mais acerca dessa possibilidade, pois sinto que está sempre aqui, à esquina do ouvido, mesmo que no mais profundo silêncio, sem se manifestar.
Era então assim, tomando-me a mim como companheiro, que ao som do vento do final da tarde, ainda agradável, pensava na vida como um fio de água que corre por entre as mãos e que nesse correr nada é, nada deixa, mas tu inscreve, como se de um bloco de cera se tratasse.
No seguimento da última conversa que tivemos, cujo tema foi a dúvida constitutiva (eu e o XVI, ou eu e a árvore nunca sei o que escrever, nem o que faz de mim mais louco, se dizer XVI, que é árvore, ou árvore que é XVI) e da necessidade de partirmos de uma essência, essência essa que sendo uma reserva de sentido, permite a própria constituição de um sentido, criando assim a diferença fundamental entre sentido e um sentido, há algo que me deixa agora perplexo, isto é, a noção de permanência. Como ser que vive e "experiencia", que é que fica para mim, que é fica de mim, que é que fica do que faço ou do que me acontece? Qual o espaço de inscrição senão o da minha memória, redundando isso num espaço de medo, de repulsa ou então de saudade, nostalgia ou melancolia?
Tudo o que me é próprio e básico nunca me deixa e é-me natural, pois que se repete, ou seja, há uma recorrência e quase sempre a mesma se reveste dos mesmos moldes de outrora , contudo, quanto àquilo que verdadeiramente me constitui, os outros, as coisas, os tempos, encontram-se fora de mim e muito pouco se configura como um território de escolha, de pura escolha, pois é impossível uma relação exclusiva de mim a mim; há uma mediação mundana, quotidiana, como se o acto de escolher, independentemente do género, fosse invadido por uma moralidade. Como tal, pouco escolho e nada fica, ou melhor, ficam sombras, sombras de cheiros, ecos frágeis de sons outrora fortes, imagens distorcidas, diluídas de outroras aparentemente imutáveis.
A vida é assim constituída no logro de que as escolhas são minhas, quando o que se passa é que a maioria daquilo que me acontece, julgando eu que é uma escolha ou fruto de uma escolha, passa-se precisamente no modo do "acontecer-me", é-me externo e a ligação a isso é puramente emocional (física ou não) ou mesmo que seja racional, é sempre desprovida de permanência. O dia foge-me, a tensão para o vazio é uma constante, como se o sentimento de perda fosse o dominante. Aquilo que hoje é tão real lá fora, pode não passar de uma miragem amanhã, do ponto de vista do palpável, passando contudo a ocupar um espaço massivo de memória, de in-existência. Como se disséssemos a alguém "Vê, vê esta mão cheia de areia", mas essa mão ao abrir-se nada mais continha que grãos.
Neste sentido, há como que uma aberração na existência, pois ocorre uma experimentação que parte de uma essência, que é por sua vez reserva de possibilidade para a constituição de um sentido, que se pretende genuíno, tematizado, cujos eixos são "experienciais" e que, na sua maioria, desaparecem no momento da sua inscrição no espaço da história, que é em si, nada, pois que sou finito.
Quando me penso, sinto-me como que a cair num poço , aos gritos, a olhar para cima, e para os lados, a tentar agarrar as paredes com as mãos, ou a corda que pende do engenho, tudo me escapa. Estou só, tudo já passou nesta sucessão de "agoras" , tudo é logo memória de um tempo que já foi, que já nada é, já nada tem, embrenhado num estado, que sendo alegre , triste ou sentido, pelo que recorda ou pelo que vive, é sempre solidão, sempre. Eu a sós comigo, sempre e isto é tanto assim, que mesmo numa nova fase, depois da tormenta ultrapassada, das lágrimas caídas, do exercício racional sobre o tema da culpa ou da desculpa, o passado teima em vir ter comigo, como um visitante sazonal, e em trazer o nada à vida, como se de um fantasma se tratasse.
16: Não podias ter escrito melhor. Partes de muito pouco, és mais o que não podes ser do que o que podes ser, precisamente por essa escolha que tanto te inquieta, mas tens a possibilidade de viver muito e bem. No limite estás sempre só, dai o dever de procurares sempre estar bem, dai o nunca deveres perder a fé. A vida, para quem a pode percepcionar, não pode ser vivida de outra forma, é uma viagem de conquistas que se tornarão em perdas, até que tu também te tornes numa perda e será essa a tua missão, o valor da perda. Tens consciência de ti , do valor da conquista e da perda, e esse é o teu dom, o teu dom e a tua maldição.
Estás aí? Claro que estás, que pergunta... E sim, estás e claro como sempre.
Até breve.... sempre claro, sempre claro. Vou comer, comer, descansar e contemplar a noite que se anuncia bela.
Teu,
ML»
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