domingo, janeiro 25, 2009

Mãe


Michelangelo, Pieta


Sentada na pedra branca, muito limpa, aguarda o final do dia,
Mais um, dos muitos que têm terminado com o toque do sino,
Toque frio, ritmado, que assinala mais um fim, fim esse que teima em não ser um fim de vez.
Mas sê-lo há alguma vez? Poderá sê-lo alguma vez?
É uma mãe, é uma mãe que já não o podendo ser, continua a sê-lo,
Pois não há adeus para o ser mãe. Ela é a vida e para a vida o adeus é a morte.
De menina a mulher, de mulher a mãe.
Na cadência dos dias, lava, limpa, arruma, passa, ensina, sorri e sofre,
Sofre com o crescer, com a expectativa, com a esperança, com as incertezas.
Sorri com as glórias, com as conquistas; aquece e aquece-se com o amor, com a presença.
Ela é mãe, ela é tudo.
Nisto o acaso, a sombra da morte,
E lava, passa, limpa, arruma, apoia e sofre,
Não desiste, continua a labuta e a cadência,
Não desiste, não o pode fazer, afinal é mulher, é mãe, é a âncora da existência, o berço da vida.
E sofre, não desiste, continua o jogo já perdido. Clama por Deus, negoceia em silêncio com o Diabo, mas não desiste.
E à pele sucede-se o mármore, às carícias a limpeza do túmulo, último e tão cruel elo de ligação,
testemunha fria e muda de monólogos que se querem diálogos.
As lágrimas derrotaram o regozijo, a pedra branca, húmida, crua, feia, berço da morte,
Substituiu as esquinas da vida.
E espera-se o toque do sino, afinal há sempre mais qualquer coisa a dizer e a contar,
Afinal não desiste, pois é Mãe.



1 comentário:

Shelter disse...

Poema à mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!•
Olha - queres ouvir-me? -,
Às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."

Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...

Boa noite. Eu vou com as aves!

Eugénio de Andrade


* Duas visões diferentes de uma mesma realidade: o amor incondicional da mãe, da mulher, daquela que um dia foi menina, pelos que dela nasceram! Uma relação nem sempre pacífica mas, em qualquer circunstância, única e indispensável.