terça-feira, março 27, 2012

Cartas de um Naufrago - 9ª Entrada

«É manhã, um vento frio corre-me pelo rosto, enquanto passeio pela praia, bem junto à orla marítima. A aragem que corre por cima do mar, por vezes empurra um resto de ondulação para cima dos meus pés e tornozelos. Está quente a água do mar e fico como tendo dois corpos, o superior arrefecido pelo ar frio e o inferior, aquecido pela água. Sensação bizarra, Kafkiana. Seria um, dois, vários, aqui, agora, antes, depois. Muito nos faz pensar a solidão.


Confesso que me sinto perdido, como que a enlouquecer. Os meus pensamentos correm a uma velocidade alucinante, dando muitas vez por mim a dialogar. Dialogar? Falo comigo, construo personagens na minha cabeça que mais não são que reconstituições imateriais da chaga física provocada pela memória, ultimo bastião de reconhecimento, pois tudo aquilo que é, presentemente é novo, sem qualquer ligação. Tenho a possibilidade de construir um mundo novo, mas para quê e para o quê? Sem qualquer ligação ao que quer que seja, não sou nada; Sim, é um facto, tenho sempre todo um mundo à minha volta, seja ele de madeira, cimento, verde, preto, amarelo, sei lá, e tenho, presentemente, todo um admirável e belo mundo à minha volta, mas ele é mudo, mudo e a interacção é sublime, só percetível pelo que me pode ou não acontecer. Do mesmo modo, não é sempre assim?

Comparando o horizonte factual a um manequim, concluímos que seja qual for a roupa com a qual esteja vestido é sempre anónimo, está sempre impávido e sereno, mudo, ou pelo menos assim nos parece. Como tal, ou revemo-nos na sua "apresentação" ou não. E por quem foi montada essa apresentação? Faltam-me novos manequins e o frenesim da sua montagem diária, necessito mudar a minha representação, reavivar as minhas memórias, construir nova vida e adquirir novas memórias. Cheiros, toques, sons, apaziguamentos, zangas, disputas, beijos, abraços, lágrimas, tudo, tudo aquilo que depende de mim, tudo aquilo que depende do manequim. E o novo, o que é novo? Tudo, pode ser tudo, até mesmo uma recuperação do velho.

Aqui ou noutro lado, as sensações são iguais, apenas muda o isolamento, de escolhido para imposto. Casam mal duas ilhas, por isso são isso mesmo, ilhas, infundíveis, e no limite constituem-se, exogenamente definidas como tal, em arquipélagos.

Cada vez me convenço que não poderia ter dado melhor nome a esta ilha, um ilha chamada Eu e sinto que está na hora de partir, pois a salvação vista como sobrevivência deixou de ser suficiente. Naquilo que do tempo é meu, há que tomá-lo em mãos, a espera anuncia o seu fim e de qualquer  modo de naufrago não passarei, pois que é uma possibilidade bem forte para qualquer navegador que se preste à aventura. Mãos à obra, vou regressar.

 
Teu,
ML»


Ao senhor José Lello e aos seus comentários no Facebook


Pointing Fingers

Toda e qualquer observação de PS e companhia mais esquerda são indignas de registo. Não se culpe a direita por fazer o que fez ou o que sempre fez, pois trata-se da direita e é como é. Acuse-se sim a esquerda de nunca ter sido o que deveria ser, e de nunca ter feito o que deveria. Institucionalizaram-se, corromperam-se e viveram da glória de uma revolução falhada. Mas a culpa é de todos nós, que infelizmente ficamos pelo direito à palavra e ao voto. Hoje na rua apanha-se e no parlamento ou em qualquer debate cumprem-se ordens externas e discute-se o sexo dos anjos, recorrendo a um palavreado teórico, irreal, ou melhor surreal, amadurecido por anos de filiação em "Jotas" e companhia limitada, tumores da democracia, filhas do estado novo. Não temos políticos, pois na sua maioria são comerciais, que essencialmente se vendem a si próprios.