Amadeo de Sousa Cardoso, A Máscara do Olho Verde
Pensar / Dizer
Não me é permitido nem aconselhável dizer tudo o que penso, no modo como penso, pois aquilo que eu digo não é mais do que aquilo que eu quero, ou acho necessário, que os outros saibam ou conheçam de mim, acerca do modo como vejo o mundo e as coisas, mesmo aqueles que eu mais prezo e em quem mais confio.
Caso contrário, corro o riso de me tornar transparente, eliminando o antagonismo que gere o humano, tornando-me em algo tido como garantido, como se de uma posse se tratasse. É um facto que o desejo é fruto de conhecimento insuficiente e não quero deixar de ser alvo de interesse, pois um amor - amor aqui no sentido do desejo, do querer qualquer coisa - desinteressado é um amor desinteressante.
Como nos diz Kundera:
“ […] Um romance é fruto de uma ilusão humana, a ilusão de podermos compreender os outros. Mas que sabemos nós dos outros?”
“ O mais que podemos fazer […] é apresentarmos um relatório sobre nós próprios, cada um apresenta o seu próprio relatório. O resto não passa de um abuso de poder. Tudo o resto é mentira.”
4 comentários:
Estupefacto com a qualidade deste blog. hoje em dia é cada vez mais raro encontra oásis desta categoria na internet. Peço-lhe para linkar o meu (www.dzdandconfused.blogspot.com), já que irei fazer o mesmo. Cumprimentos
A linguagem, a nossa língua, seja ela qual for, é sempre um obstáculo àquilo que somos, pensamos e sentimos. Nunca conseguimos dizer verdadeiramente o que queremos porque é impossível materializar aquilo que não se vê, que apenas se sente, que (apenas) se é. Como perguntava Vergílio Ferreira na Aparição:
"Sabes então já a a ilusão das palavras, a fragilidade de um encontro através delas? E saberás o que há em ti, o que te vive e as palavras ignoram?"
Acho que é isso que todos os que pensam e sentem procuram.
“ O mais que podemos fazer […] é apresentarmos um relatório sobre nós próprios, cada um apresenta o seu próprio relatório. O resto não passa de um abuso de poder. Tudo o resto é mentira.”
Esta citação é muito adequada. Mas sabes que não é só o desejo que é fruto do desconhecimento, o medo também o é. No fundo o que se procura sempre é o equilíbrio.
É permitido dizer o que pensamos, embora nem sempre aconselhável.
Saberem de nós ou conhecerem-nos (até onde tal seja possível ou desejável) não nos torna transparentes (talvez frágeis aos "ataques") nem elimina antagonismos. Isso seria o mesmo que negar a ideia de individualidade, daquilo que nos torna a cada um, diferentes uns dos outros.
Antagonismo há sempre. Transparência, é para mim, uma utopia... Se cada um apresenta um relatóprio de si mesmo, apresenta-o sempre como pode, consegue, convém... Mas nunca...nunca, na verdade do que é realmente. Julgo que o nosso relatório tem em si o seu quê de mentira e ilusão. É ele próprio, um uso (e por vezes abuso) do poder que detemos sobre nós mesmos e que utilizamos para nos relacionarmos com os outros.
O livre arbítrio é utilizado consoante a consciência individual entende por bem (ou mal).
A ilusão de nos tomarem por garantidos, como se de posse nos tratássemos, essa...é sempre dos OUTROS, não nossa. Pois, ao contrário dos CORPOS, acredito que a nossa ALMA, SENTIMENTOS e PENSAMENTOS, não serão NUNCA propriedade de outros que não nós...
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