segunda-feira, dezembro 24, 2007

Pensar, Dizer - A alma do outro lado do espelho

Amadeo de Sousa Cardoso, A Máscara do Olho Verde

Pensar / Dizer

Não me é permitido nem aconselhável dizer tudo o que penso, no modo como penso, pois aquilo que eu digo não é mais do que aquilo que eu quero, ou acho necessário, que os outros saibam ou conheçam de mim, acerca do modo como vejo o mundo e as coisas, mesmo aqueles que eu mais prezo e em quem mais confio.
Caso contrário, corro o riso de me tornar transparente, eliminando o antagonismo que gere o humano, tornando-me em algo tido como garantido, como se de uma posse se tratasse. É um facto que o desejo é fruto de conhecimento insuficiente e não quero deixar de ser alvo de interesse, pois um amor - amor aqui no sentido do desejo, do querer qualquer coisa - desinteressado é um amor desinteressante.

Como nos diz Kundera:

“ […] Um romance é fruto de uma ilusão humana, a ilusão de podermos compreender os outros. Mas que sabemos nós dos outros?”

“ O mais que podemos fazer […] é apresentarmos um relatório sobre nós próprios, cada um apresenta o seu próprio relatório. O resto não passa de um abuso de poder. Tudo o resto é mentira.”


quarta-feira, dezembro 19, 2007


The Speakers of Truth

Por vezes, na nossa vida, com os acontecimentos do dia confirmam-se inquietudes, meditações ou ideias (muitas vezes colocadas de parte ou até mesmo as que nunca foram levadas muito a sério). Expressões, muitas vezes órfãs, ganham uma força avassaladora, esclarecedora. Imagens ou sequências tidas como vulgares, ou superficiais podem tornar-se profundas como o mar, "acontece", dizemos nós.
No filme Uma Questão de Honra o veterano Coronel Jessep volta-se para o júnior e bom vivant Tenente Daniel Kafee e diz-lhe tão só:

The truth, you want the truth
You can´t handle the truth.

O bom e bruto do Jessep estava a dirigir-se à humanidade.

«Os grandes navegadores devem a sua reputação
aos temporais e às tempestades.»

Epicuro, Sentenças Vaticanicas

À sentença, acrescente-se:

E os bravos perduram para além do tempo.

Fica a homenagem a quem já partiu. É também deles este tempo.

Os votos de um Feliz Natal e de um Próspero Ano Novo.

quarta-feira, novembro 21, 2007

Ser Europeu


Política ou Economia? Casamento Difícil

Caro professor.

Hoje colocou-me uma questão que em virtude da minha resposta me deixou a pensar. De facto foi uma resposta, como fiz questão de observar na aula, fruto de alguma inexperiência e de erro de análise relativamente aquilo que penso que gostaria de realçar quando colocou a questão. Antes de prosseguir devo dizer-lhe por um lado, que fico muito orgulhoso quando me escolhe para colocar certo tipo de questões e causa-me alguma perturbação, positiva neste caso, quando sinto que não estive à altura do desafio, por outro aproveito para lhe expor uma ideia que me assalta de tempos a tempos e que tenho debatido em alguns círculos, a saber, se a definição de cidadão não resultará na definição de cidadão fiscal com as diluições de espaços físicos e culturais (alguns) a que assistimos, ou então se esta diluição não reforçará certos movimentos nacionalistas? Em suma, como se poderá dizer sou isto ou aquilo?

Voltando à questão “ser europeu”. Do ponto de vista conceptual, e passando por cima dos factores históricos que levaram à criação desta velha (nova) Europa, é natural que me sinta orgulhoso, feliz, satisfeito, de pertencer a “este mundo” e não a outro, e neste sentido me sinta europeu. Esta Europa usa como bandeira a liberdade, a igualdade de oportunidades, a integração social, a partilha cultural, a ideia de espaço único, a questão da saúde, da educação, da democracia, da pluralidade partidária, dos direitos humanos, etc. Em certos países, mesmo nos dias de hoje, muitos destes conceitos não podem sequer ser referidos fora dos cânones definidos pelos estados e regimes vigentes. Assim, sinto-me privilegiado por ser europeu e por ser português e não me imagino noutra situação.

Contudo, e penso que a espontaneidade da minha resposta passa por ai, do ponto de vista prático, há alguma desilusão e cepticismo face a esta Europa e também a este Portugal. Há alguma desilusão face aos representantes e também face aos representados, nos quais me incluo, há alguma desilusão face à aceitação duma globalização que considero não global, dos valores defendidos e às vezes parece que o espaço europeu é visto como aquilo que não pretende ser, penso eu, isto é, como uma barreira face aos outros espaços, como se as questões estatais passassem de micro questões, num processo de metamorfose, a questões do espaço europeu e, como tal, em macro questões. Procurando simplificar, num avançar uns metros com as barreiras.

Há algum cepticismo em relação à capacidade desta Europa, e destes políticos, de gerirem as muitas bombas relógio que existem dentro do espaço europeu e as que serão importadas com o alargamento, pois a diferença de solidificação dos regimes políticos e dos valores europeus, que até este período têm sido mais ou menos homogéneos (se bem que Portugal e Espanha aquando da entrada na CEE tivessem saído de ditaduras há relativamente pouco tempo, mas tinham por trás de si alguns séculos de história que já haviam conhecido certo tipo de valores que hoje se defendem). Vejamos como reage a velha Europa à questão Turca, à questão Israelita e às recém criadas repúblicas de leste.

Do mesmo modo, mesmo dentro da velha Europa, espero que um dia não façamos uma analogia com a pobre velha música de Pessoa, existem práticas e metas diferenciadas que nos podem fazer sentir menos europeus ou europeus de segunda.

“Tive um sonho”, disse Martin Luther King, não o chegou a viver. Eu não sou uma pessoa muito viajada infelizmente, mas na última vez que o fiz, foi para me deslocar a Paris. Já havia lá estado e não quis subir a torrei Eiffel com os meus familiares e amigos. Ao invés, sentei-me no chão, mesmo no centro da torre, fechei os olhos e senti-me a viajar pelos quatro cantos do mundo, única e exclusivamente graças aos idiomas. Tive a experiência de cidadão do mundo, de igualdade na diferença, sem barreiras. É poesia existencial, de valor estético, sem dúvida, com uma modificação ontológica localizada, mas foi uma sensação de pertença, de forte pertença à espécie, ao mundo. Seria perfeita a transposição para o plano geral, das nações e dos ideais. Mas estará a espécie humana preparada para ser humana? Foi um à parte, não resisti.

Espero ter-me feito entender e desde já agradeço todas as questões que me colocar e todas as dificuldades com que me faça deparar. Serão recebidas de bom grado, assim como os seus conselhos.

sexta-feira, agosto 31, 2007

Simples mas eficaz: O retrato de 66 anos de CIA

Edward Munch, The Murderer

«I am not afraid from them....
me fear is from guys like you.
You make the big wars.»

«Wrong, we see that they stay small.»


Robert de Niro, The Good Shepperd, Dialogue between Joe Pesci and Matt Damon

sexta-feira, agosto 24, 2007


Andy Warhol, The World Fascinates Me

Meditação:

O ser humano constiui-se numa sensação de falta entre a esperança e a saudade, entre o que se quer ter e o que se teve, sempre movido pelo desejo. Assim, somos um esquisso entre nadas. Esquisso, porque estamos sempre em falta, em carência; Nadas, porque o que foi já não é e o que vai chegar ou pode vir a chegar, ainda não é.
Deste modo, somos caminhantes que na mochila levam esperança, saudade e também algo que comer.

Saudade

Pablo Picasso, The Old Guitarist

Pobre velha música!
Não sei por que agrado,
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado.

Recordo outro ouvir-te,
Não sei se te ouvi
Nessa minha infância
Que me lembra em ti.

Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
Fui-o outrora agora.

Fernando Pessoa



Saudade, saudade, essa expressão tão portuguesa, segundo dizem. Saudade, saudade daquilo que foi, que nos marcou, que nos fez sentir vivos. Saudade, essa forma estranha de sentir a falta de alguma coisa, esse querer agarrar os tempos que passaram, os tempos e os seus conteúdos, esse querer ser aquilo que já se foi, querer ter o que já se teve. Saudade, que nos reduz ao mais elementar daquilo que é ser humano, o perecível. Saudade, o peso do ser consciente de si, o peso da razão. Saudade, saudade de um cheiro, de um movimento, de um rosto, de um toque, de um reflexo, de uma frase, de um ano, de uma fracção. Saudade, como se algo sem forma, sem peso, sem matéria, mas ao mesmo tempo tão massivo, nos pudesse tocar. Saudade, saudade de ti, dele, deles, saudade de mim. Saudade, que pelo meu ser já tão morto, me fazes lembrar que estou vivo.

quarta-feira, março 28, 2007

Salazar; Democracia? Tolerância? Liberdade? Apatia....


Eduardo Neves, Cruzamento: Lisboa Cinzenta num Final de Tarde

Não se pode deixar de ficar perplexo ao pensar na contradição existente entre o que o nome António de Oliveira Salazar representou e representa. Trata-se de uma pura antítese. Agora, perante isto, devemos tirar ou chapéu à sociedade e à democracia portuguesa ou enfiar o barrete até bem fundo? Sinceramente, acho que devemos ficar a meio de ambas o que também não deixa de traduzir aquilo que a nossa sociedade é há já muito tempo, isto é, um meio "qualquer coisa" entre dois pontos de "qualquer coisa" que nunca chega a ser verdadeiramente nada, por muito bom ou muito mau que isso seja.

Regressando ao tema propriamente dito - com laivos de canal privado especialista em sensacionalismo barato - da eleição do maior português de sempre. Em relação ao mesmo devemos analisar o problema, no meu ponto de vista, a partir de uma questão chave. Assim, em reposta à questão "como é isto possível?", devemos por um lado, elogiar a maturidade da democracia portuguesa - e a capacidade de superação ou esquecimento - mas por outro, caso sejamos democratas e pluripartidários, pensar em três pontos fundamentais, a saber: 1 - Onde andaram os políticos nos últimos 36 anos? 2 - Onde andámos nos últimos 36 anos? 3 - E o terceiro não é uma questão, mas uma afirmação, ou uma suspeita, ou seja, a responsabilidade virá para cima de uns quantos incultos e de um sistema de votação que não toca a verdade, pois quem é decente, quem pensa, não alinha nestas coisas. Conclusão, há por aí muito indecente.
Contudo, o que se deve ler no ponto numero 3 é que o mesmo é a causa dos dois anteriores, isto é, a constante desresponsabilização dos políticos que culpam sempre alguém, em ultima instância mesmo quem neles vota, por isto ou por aquilo, sem que façam exercícios de autocrítica. Esse comportamento típico é que causou tudo isto, por muito de somenos que a questão tenha. Pois de facto, nada mudou - do ponto de vista da estrutura política - no nosso país desde o passado Domingo. Mas e nós? Não teremos nós forçosamente de ter mudado? Não nos terá feito pensar, pelo menos pensar? Sou de esquerda, filiado, mas na verdade sou só mais um, um pendura.

Conclusão, Salazar, mesmo morto, deu um salto ontológico e tornou-se estrela principal do texto escrito há anos por Mário Zambujal, intitulado "Crónica dos Bons Malandros"