Política ou Economia? Casamento Difícil
Caro professor.
Hoje colocou-me uma questão que em virtude da minha resposta me deixou a pensar. De facto foi uma resposta, como fiz questão de observar na aula, fruto de alguma inexperiência e de erro de análise relativamente aquilo que penso que gostaria de realçar quando colocou a questão. Antes de prosseguir devo dizer-lhe por um lado, que fico muito orgulhoso quando me escolhe para colocar certo tipo de questões e causa-me alguma perturbação, positiva neste caso, quando sinto que não estive à altura do desafio, por outro aproveito para lhe expor uma ideia que me assalta de tempos a tempos e que tenho debatido em alguns círculos, a saber, se a definição de cidadão não resultará na definição de cidadão fiscal com as diluições de espaços físicos e culturais (alguns) a que assistimos, ou então se esta diluição não reforçará certos movimentos nacionalistas? Em suma, como se poderá dizer sou isto ou aquilo?
Voltando à questão “ser europeu”. Do ponto de vista conceptual, e passando por cima dos factores históricos que levaram à criação desta velha (nova) Europa, é natural que me sinta orgulhoso, feliz, satisfeito, de pertencer a “este mundo” e não a outro, e neste sentido me sinta europeu. Esta Europa usa como bandeira a liberdade, a igualdade de oportunidades, a integração social, a partilha cultural, a ideia de espaço único, a questão da saúde, da educação, da democracia, da pluralidade partidária, dos direitos humanos, etc. Em certos países, mesmo nos dias de hoje, muitos destes conceitos não podem sequer ser referidos fora dos cânones definidos pelos estados e regimes vigentes. Assim, sinto-me privilegiado por ser europeu e por ser português e não me imagino noutra situação.
Contudo, e penso que a espontaneidade da minha resposta passa por ai, do ponto de vista prático, há alguma desilusão e cepticismo face a esta Europa e também a este Portugal. Há alguma desilusão face aos representantes e também face aos representados, nos quais me incluo, há alguma desilusão face à aceitação duma globalização que considero não global, dos valores defendidos e às vezes parece que o espaço europeu é visto como aquilo que não pretende ser, penso eu, isto é, como uma barreira face aos outros espaços, como se as questões estatais passassem de micro questões, num processo de metamorfose, a questões do espaço europeu e, como tal, em macro questões. Procurando simplificar, num avançar uns metros com as barreiras.
Há algum cepticismo em relação à capacidade desta Europa, e destes políticos, de gerirem as muitas bombas relógio que existem dentro do espaço europeu e as que serão importadas com o alargamento, pois a diferença de solidificação dos regimes políticos e dos valores europeus, que até este período têm sido mais ou menos homogéneos (se bem que Portugal e Espanha aquando da entrada na CEE tivessem saído de ditaduras há relativamente pouco tempo, mas tinham por trás de si alguns séculos de história que já haviam conhecido certo tipo de valores que hoje se defendem). Vejamos como reage a velha Europa à questão Turca, à questão Israelita e às recém criadas repúblicas de leste.
Do mesmo modo, mesmo dentro da velha Europa, espero que um dia não façamos uma analogia com a pobre velha música de Pessoa, existem práticas e metas diferenciadas que nos podem fazer sentir menos europeus ou europeus de segunda.
“Tive um sonho”, disse Martin Luther King, não o chegou a viver. Eu não sou uma pessoa muito viajada infelizmente, mas na última vez que o fiz, foi para me deslocar a Paris. Já havia lá estado e não quis subir a torrei Eiffel com os meus familiares e amigos. Ao invés, sentei-me no chão, mesmo no centro da torre, fechei os olhos e senti-me a viajar pelos quatro cantos do mundo, única e exclusivamente graças aos idiomas. Tive a experiência de cidadão do mundo, de igualdade na diferença, sem barreiras. É poesia existencial, de valor estético, sem dúvida, com uma modificação ontológica localizada, mas foi uma sensação de pertença, de forte pertença à espécie, ao mundo. Seria perfeita a transposição para o plano geral, das nações e dos ideais. Mas estará a espécie humana preparada para ser humana? Foi um à parte, não resisti.
Espero ter-me feito entender e desde já agradeço todas as questões que me colocar e todas as dificuldades com que me faça deparar. Serão recebidas de bom grado, assim como os seus conselhos.