segunda-feira, novembro 23, 2020

A complexidade inerente às medidas relativas ao estado de emergência: Da sua manifesta insuficiência à sua real necessidade; Uma incapacidade

Caro Timóteo,

 

Gosto disto, do ponto de vista da manifestação pública claro está. Esta situação que vivemos trouxe à tona, pelo menos, duas "obvisiosidades":

1º A democracia não é formal (mas substantiva) e exige muito dos cidadãos, que não querem assumir esse papel;

2º Não temos líderes à altura, nem a nível nacional (a política partidária já era) nem a nível europeu (a Angela Dorothea Merkel, da qual tantas vezes discordei critiquei, está a tentar reinventar-se). 

Caro Timóteo, em primeiro lugar, estás medidas tolas, como lhe chamas e bem, tem apenas uma razão de ser, O SNS não suporta uma situação destas. Temos cerca de 485 camas de UCI no país inteiro. Agora, como és inteligente e nada parvo dizes, que se separem os doentes, que se construam (montem) hospitais de campanha pelo país, senão em todos os hospitais, pelos posicionados de forma geograficamente equidistante, tanto quanto possível. Mas temos aqui outro problema, não existem na Europa nem no mundo médicos ou enfermeiros especializados em quantidade suficiente. 

Mas poderíamos e deveríamos ter feito melhor, por exemplo, poderíamos de facto ter separado os infectados dos demais, mas inevitavelmente ficarias com o problema dos profissionais de saúde infectados. 

Somos forçados a concordar que em determinadas matérias isto é mesmo uma pescadinha de “rabo na boca” e tal como demonstrou o caso sueco, a imunidade de grupo não é de todo a solução, pois também o SNS nórdico não suporta isto. 

Em Portugal temos doentes 2 e 3 meses em coma, doentes dentro de um hospital durante 60 a 90 dias que são um foco de possível infeção. Agora multiplica por X e faz a conta ao raio de alcance da doença. E não te fiques pela comunicação social, tenta obter informação através de pessoas directamente relacionadas para que possas ter uma ideia do real estado de coisas. O Hospital de São João no Porto, está um caos deste março, não é de agora, nunca sossegou. Tens médicos e enfermeiros a trabalhar 3 e 4 dias praticamente sem parar, sendo que estão forrados dos pés à cabeça turnos inteiros. 

Quanto às escolas, erro grave. Tivemos 9 meses para duplicar as salas de aula. Como? Por hipótese, pavilhões pré-fabricados (hoje em dia tens pavilhões que têm melhores condições que certas casas). Muitas delas têm espaços exteriores que os suportam e teriam permitido dividir turmas em 2. Mas lá viriam os pais reclamar “quem fica na sala”, “quem fica no pavilhão”, enfim, temos o país do Mário Nogueira (viva a greve à sexta-feira) do sindicalismo de classe, onde o bom-senso é subvertido ao resultado final. Tudo é um meio para chegar ao poder, tudo é um meio para nesta sociedade órfã de estado novo, o comum mortal reclamar o seu (vazio)poder.

 A isto respondes: E professores para isso? Bom, no OE para 2021 foi aprovada a despesa de €6.5 milhões de euros para radares de velocidade média. Contas redondas corresponde ao salário de cerca de 280 professores (vezes 14 meses). €6.5 milhões não é nada do OE, para que todos saibamos, o imposto relativo ao açucares contabilizou (receita) qualquer coisa como €700 milhões. Em períodos de excepção, como o que corre, podes efectuar despesa extraordinária (o quadro plurianual já era) e quanto aos radares, meia dúzia de polícias de mota a fiscalizar as principais estradas vão buscar esse valor só em multas relativas ao uso indevido do telemóvel. E poderíamos continuar. 

Quanto aos supermercados, outro erro grave. Teria sido muito melhor, onde fosse possível, montar perímetros de segurança (de onde não passarias) pontos de entrega de encomendas (drive-in) e serviço ao domicílio para encomenda e entrega dedicados a pessoas de idade com pouca destreza digital. Em Portugal tudo é um problema, uma dificuldade. Tudo o que seja sair da esfera privada de cada um de nós dá trabalho.

 Contudo, as situações extraordinárias são isto mesmo, extraordinárias e provocam erros, alguns deles gravíssimos. Para além disso, no meio disto tudo tens os vazios legais, não podes pura e simplesmente dar instruções e promover medidas sem suporte de lei, e isto num contexto pré-eleitoral sem líderes à altura é uma desgraça. Basta para isso ler a última entrevista do Morais Sarmento. Uma perfeita imbecilidade. O Rui Rio, uma das minhas maiores desilusões políticas (a par da Mortágua) está mais interessado em ser primeiro ministro do que em resolver esta situação. Isto é um cenário miserável, miserável do ponto de vista institucional, aquele que se vive em Portugal.  

 Quanto às decisões, estão erradas, profundamente erradas, mas não te foques nos dispostos, foca-te na nossa sociedade (latina) e foca-te (ainda) também no projecto Cavaquista dos anos 80. 

Por mim, sempre fui adepto de lei geral e fiscalização efectiva (o que temos em Portugal é legislação complexa, excessiva, transitória e fiscalização nula, ou praticamente nula). 

Tomando como exemplo os locais de comércio (pequenas, médias superfícies);

 Fará algum sentido deslocarem-se, como é normal em Portugal, nos tempos que correm, famílias inteiras ao supermercado?

Fará algum sentido, com as possibilidades que o on-line te oferece (do ponto de vista da escolha e decisão) ir escolher telemóveis com bebés ao colo, ou mobílias no IKEA sem consulta prévia? Temos que neste período ser capazes de nos adaptar.

Do meu ponto de vista estas pessoas seriam impedidas de entrar no supermercado: por exemplo, entrava uma pessoa por viatura. Ao que responderás no gozo “vai um em cada carro”, ou “não têm com quem deixar o bebé”, ao que respondo “em toda a sociedade há lugar para o chico-esperto” e “os regimes de excepção são a nossa matriz e é por isso que nada funciona”.

 Se as mentalidades não mudam, não se adaptam, terá que ser por força da lei, como tal, sim, poderíamos andar todos mais à vontade, mas sim, deveríamos ter brigadas de fiscalização na rua a multar forte e feio, pois se queres ser livre, cumpre as regras, muito simples. Parece dicotómico, mas é a pura da verdade. Como se sentiriam os Portugueses com isso?

O problema de legislar nos países latinos é a mentalidade meu amigo, convence-te, como não saímos do nosso individualismo, não temos a noção do bem-comum, e a lei é feita nessa base. E é o que temos. 

Quanto ao aproveitamento político relativamente ao “negócio da restauração” (não confundir com Turismo) estás perante a um sector que promove a economia paralela, a precariedade laboral e que do ponto de vista do valor (não confundir com dinheiro) não acrescenta nada ao pais (basta veres que a economia interna não serve para os sustentar). E isto tem que ser dito às pessoas. Tem que haver coragem política para isto. Basta que vejas o que foi feito à baixa de Lisboa, uma vergonha. Somos uma cambada de chico-espertos, sem visão de médio-longo prazo.  

Os pilares de uma sociedade decente (democrática, igualitária, digna) são a Educação, a Saúde e a Justiça. As sociedades liberais não trouxeram nada de jeito ao mundo, para além de capital e isto está mais que demonstrado. Capital per si só promove a desigualdade e a falta de dignidade. Vê o que se passa naquele que dizem que é o “País mais rico do Mundo”. 

Nos anos 80 destruímos a nossa economia à sombra da ideia que seríamos a instância de férias da Europa, um desastre. Agora vamos começar a pagar o preço. Espera por abril, quando começar a chegar a factura. Apelo (apelemos todos) para que o BCE tome uma decisão “à la África” e compre as dívidas públicas, a taxa 0%, caso contrário as democracias europeias estarão seriamente em risco. E isto não é uma questão Portuguesa, é transnacional. A Polónia, a República Checa não tinha taxa de desemprego (menos que 4% é marginal) e são fortemente nacionalistas. Tens pessoas nesses países que perderam tudo, tudo. Aguardemos.

O Marxismo, do ponto de vista social, continua a ser um alvo a abater. Que saudades de líderes como Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Cunhal (Helmut Kohl, a nível europeu). Ficámos com a herança do Soares e do Cavaco. Malfadada CIA. 

 Grande Abraço