terça-feira, maio 25, 2010

Cartas de um naufrago - 7ª entrada

Segue a 7ª entrada do diário

Conforme foi apontado na última entrada, para além das dificuldades relativamente ao estado dos manuscritos, que tornam o trabalho muito moroso, o registo dos mesmos também mudou, passando a um misto de relato e relato do relato, desde que o naufrago encontrou o 16, ou aquilo que baptizou de 16.

«Uma manhã, algures [.................]debaixo de um calor abrasador

Atormenta-me este torpor do dia-a-dia, atormenta-me a espaços, pois que sei que aos poucos tenho vindo, apesar do bizarro da minha condição, entalado que estou entre o tudo que posso ser e o nada que sou, a retomar o controlo sobre a minha vontade. Nesse sentido, esta precariedade existencial tem sido útil, pois que nada mais me resta senão voltar-me para mim, para este continuo ponto de partida a caminho de qualquer coisa. Haverá alguma constância, pergunto-me eu? Qual a pedra a partir da qual me inscrevo e me ergo? Será a dúvida constante?
Este espaço de vazio, vazio no sentido que se preencherá com algo que não é gratuito, a vida, tem de ter um ponto de partida, ponto de partida que é ao mesmo tempo porto de chegada, pois que é fundamento, princípio norma [.....]

(E nisto o registo muda como se alguém tivesse chamado o naufrago. Este apontamento é de todo desnecessário e apenas serve para focar o trabalho feito por mim, como terceiro elemento, pois que se percebe claramente a mudança de registo)

Estava eu metido nestes buracos reflexivos quando oiço:

- Chamaste-me...... aqui estou.
Chamei-te, mas, mas como se estou na praia, e tu estás mata dentro...
16: Estás mesmo? estou mesmo?
Sim, estou e estás.... já não percebo nada outra vez. É assim quando te oiço, instala-se a dúvida!
16: Não me parece que assim seja, antes diz que quando se instala a dúvida parece que me queres ouvir, ou não estavas a reflectir sobre a dúvida quando te ouvi?
Agora é que me trocaste todo, mas sim, ainda bem que apareceste, mas que digo eu, apareceste, tu não te mexes.
16: Conforme te disse, após termos feito o nosso acordo, estou sempre contigo, estarei sempre contigo, assim o queiras. Agora, que me querias, visto que me chamaste. Todo eu sou ouvidos. Falavas em dúvida, dúvida de constituição a busca pelo fundamento, ou estarei enganado?
Bom, uma vez que aqui estás, falemos. Sim, interrogava-me sobre mim próprio, isto é, estando eu constantemente exposto ao vento, assim parece, sem qualquer luz relativamente ao ponto de chegada, e sendo o ponto de partida apenas um momento inscrito no passado, haverá alguma base nisto que sou?
16: Mas que és tu, já começaste por pensar nisso, uma vez que estás exposto ao vento?
Eu, eu aparentemente não sou nada, e corro como um fio de água entre mãos, pois que estando sempre a viver o presente, o mesmo parece dividir-se em agora (s) passados e agora (s) futuros.
16: Sim, concordo, é sempre um ir sendo, isso sem dúvida.
Então, que valor tem o ser, que valor tenho eu. Sou um barco à deriva. Porquê lutar para sair desta ilha?
16: Não te minto, és muito mais, no sentido do material, aquilo que está fora de ti, que não te pertence e não é teu, propriamente teu, mas é o teu ser que permite valorizar isso, para o bom e para o mau sentido. O valor de uma coisa é o teu valor.
Sim, mas nesse caso posso fazer tudo o quero, aqui pelo menos.
16: Sim, podes, mas não deves, e dai a razão da tua dúvida, dai o teu chamamento e isso mesmo neste sítio, onde ninguém te chama.
Não percebi agora 16.
16: Pensa em tudo o que escreveste até agora, pensa nas noites em branco, no aparente e inóspito peso do céu estrelado. O que buscas está em ti....
Mas não o vejo, se está, e se está, só me conduz à dúvida.
16: Por isso mesmo, é na dúvida, no questionamento constante que se encontra a base do fundamento que procuras, na base da dúvida estão as tuas crenças. Podendo parecer um paradoxo, não o é, pois indica um principio que permite colocares em causa o que te rodeia, até que chegaste a mim. Questionas, alcanças, investigas, defines, aceitas e segues. É este o teu ser.
Pois, mas e o fundamento, o fundamento, o que é?
16: A tua capacidade de duvidar, de rejeitar e de aceitar.
O poder de experimentar dizes tu, um teste constante, é nisto que se inscreve a vida?
16: Ora reflecte no que disseste, se procuras um fundamento e retratas o ser como um conjunto de agora (s) que parecem escapar-se como fio de água, consideras que a vida se inscreve na experiência?
Agora que o dizes, não, não pode ser, pois no fim nada fica.
16: Pois, podes dizer-me que a vida é feita de experiências, mas a vida não é uma experiência, melhor, a vida que permite a vida não é uma experiência.
Mas e o fundamento, o fundamento, será a dúvida?
16: Não, o fundamento permite a dúvida. É por ele que te questionas e duvidas.
O fundamento, dizes tu, que me ajudas, nada me dizes, só me questionas.
16: Eu não te questiono, tu questionaste-te e comprovas o que me dizes. Vê isso relativamente a mim, não paras de te questionar relativamente à minha existência e cada mais forte sou eu em ti.
Começas tu...
16: É um facto, não o escondas e sabes que é verdade. Assim o tenho sido, em todas estas noites e dias que andaste por esta ilha deste que falámos a primeira vez.
Mas qual o meu fundamento, qual o meu primeiro princípio?
16: Focaste aí um conceito importante, o de princípio. Podes defini-lo?
Principio? Algo a partir do qual as coisas começam, ou início de qualquer coisa.
16: É então a base, certo?
Sim, assim parece.
16:Ora bem, Focaste agora a questão fundamental, o princípio, os princípios. Não serão esses o teu fundamento? Não serão esses que te guiarão pela dúvida e pelas experiências? Não serão eles a pedra do teu ser? Ou não será assim?
Sim, mas que princípios?
16: Essa questão já não é minha meu caro. Ai começa o teu diálogo com o mundo, ai começam as tuas noites e os teus dias, mas vê o quão é importante, pois que nem aqui, onde nada que não tu próprio te atormenta, o problema te larga. A dúvida chama pelo princípio, o princípio é a pedra, a pedra é a essência.
A essência. É por ela que me devo reger?
16: Respondo-te com outra questão? Se não te deves reger por aquilo que colocas em causa, não deverás então reger-te sobre aquilo que permite a dúvida? Reflecte sobre o que dissemos, reflecte sobre esta questão, e já sabes, estou sempre contigo, assim o queiras. O meu ramo é o teu ombro, o meu tronco, o teu peito. Vai em paz

[...] E nisto recuperei do meu torpor, com este diálogo, mais uma vez bem inscrito na minha cabeça. Olhei em frente e estava frente àquela árvore a que chamo de 16. Não sei dizer o que se passou, mas tudo o que posso fazer, com a força que ainda me resta, é dizer que me sinto acompanhado, aconchegado, agora que cada vez me embrenho mais nesta busca por aquilo que sou.

Repousarei, o dia foi longo, pois que da manhã se fez já noite. Estranho, o peso deste céu, cada vez mais leve e cada vez mais belo.

Teu,

ML»









quinta-feira, maio 20, 2010

Notas acerca do Estado da Governação "Como o mundo muda depressa"

LLOSA, Mario Vargas, A Festa do Chibo, D. Quixote
Acedido em: http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=10679330

Ontem assisti ao jornal da noite na SIC notícias e confesso que fiquei assustado!!! Não pela crise, isso já não, mas pelo caos que se instalou no governo. A rubrica chamava-se " Como o Mundo muda depressa" e tinha como protagonistas três ministros portugueses e o nosso PM. Assim, relativamente à expressão e face ao mesmo assunto, cada um disse uma coisa diferente com o mesmo final, a saber, "é preciso é restaurar a confiança". Confiança na dúvida e no desespero que entre eles graça? Sinceramente, parecia uma qualquer página de Vargas Losa ou Garcia Marquez, pictorizada, sobre uma qualquer nação sul americana, momentos antes de um golpe de estado, por todos desmentido. Para finalizar, o puto da jota, poucos dias depois de assinar um acordo, mal sabe assinar e já assina acordos, manda uma bomba que poderá inflamar, os já de si inflamados ambientes, dos funcionários do estado. Tão novo e tão esperto, assina um acordo ao mesmo tempo que tenta assassinar um governo moribundo. Isto as Jotas dão mesmo escola. Parabéns.
E Nós!? nós assistimos impávidos e serenos. Após o 25 de Abril a frase comum era "O povo está sereno"! Hoje, 35 anos depois segundo Teixeira dos Santos e face ao que se passa na Grécia, revertendo para Portugal, a mesma frase ainda se aplica. Até quando? É caso para dizer: Quo Vadis Portugal